A passagem do Corinthians, para a final da Taça Libertadores, é um exemplo do moderno embate de duas escolas de administração: de um lado, a que põe sua ênfase na construção do trabalho em equipe; de outro, a que prega a aquisição de talentos.
Vamos deixar claro logo de início: uma escola não exclui a outra. É óbvio que uma equipe tem de ter talentos, e que no mundo de hoje raramente uma estrela pode trabalhar sozinha. Isso não significa que as duas teses se equivalham. E os dois times que disputaram a semifinal são exemplos. Há ótimos jogadores no Corinthians, mas o que sobressai é o trabalho de equipe; há cooperação e jogadas ensaiadas no Santos, mas o que sobressai é o talento individual, especialmente de Neymar e Ganso.
Nas empresas, as duas escolas têm defensores (e praticantes) poderosos. Toda a mítica moderna de caça aos talentos é, obviamente, calcada na crença de que o resultado das empresas vem primordialmente da genialidade de algumas estrelas. O consultor americano Jim Collins é provavelmente o principal defensor moderno dessa tese. Segundo ele, a primeira coisa que uma empresa deve fazer é “colocar as pessoas certas no seu ônibus”. O rumo, a velocidade, todo o resto vem depois.
Essa é a visão por trás de toda a indústria dos headhunters, os caçadores de gente brilhante. E essa é a visão preponderante em empresas meritocráticas. Seu funcionamento básico repousa sobre a seguinte premissa: vamos separar os bons dos não tão bons, dar condições favoráveis e oportunidades para que as estrelas brilhem – e elas trarão resultados excepcionais.
Escola fortíssima, com expoentes como BTG Pactual e Ambev, mas também empresas que hoje atravessam problemas, como Americanas.com.
Do outro lado, uma escola não menos forte, com expoentes como Bradesco e Pixar (sim, os extraordinários desenhos são feitos num exemplar trabalho de equipe), mas também grandes burocracias travadas como... quase qualquer agência governamental.
Se a escola do talento sustenta os headhunters, a escola do time sustenta os programas de treinamento e boa parte dos trabalhos de coaching. Em oposição à imagem de Collins, a ideia é que, se o ônibus tem uma rota bem feita e manutenção cuidadosa, é possível treinar as pessoas para desempenhar as funções necessárias para levar a missão a bom termo.
Um exemplo famoso disso é a empresa americana SAS, de software e serviços de análise de negócios, uma empresa que fatura US$ 2,7 bilhões. O executivo-chefe Jim Goodnight diz acreditar numa profecia auto-realizável: se você tratar as pessoas como se elas fossem essenciais, elas se tornarão essenciais.
Normalmente, as empresas brigam por mercado, e demora até ficar claro se seu modelo de funcionamento é mais adequado que o das concorrentes. Por isso o futebol é uma metáfora quase irresistível. Em uma semifinal como a de ontem, só um dos times passa à próxima fase.
Mesmo sendo irresistível, a metáfora tem seus limites. Um impedimento não marcado, um escorregão de zagueiro ou um montinho artilheiro pode mudar a história do jogo – e levar a conclusões opostas sobre o embate. Isso sem falar que nós costumamos interpretar os fatos de acordo com nossas convicções. Se uma estrela joga mal, “estava num mau dia”. Se um jogador disciplinado marca um golaço, “estava no lugar certo”, fruto de treinamento. E, quando um time começa a ganhar tudo, como o Barcelona, ambas as escolas reivindicam o sucesso. O Barcelona tem muitas estrelas, dizem os analistas, mas também um conjunto inigualável.
É comum dizer que times coletivos privilegiam a troca de passes, posse de bola, marcação. E estrelas são “capazes de definir o jogo num lampejo”. É um pouco enganoso. O Corinthians, nos dois jogos contra o Santos, exerceu uma marcação implacável, fruto de uma disciplina e um treinamento invejáveis. Mas o gol que lhe deu a vitória, no primeiro jogo, nasceu de uma jogada típica de craques. Se tivesse sido feito pelo Santos, os analistas diriam que era por causa de suas estrelas.
Mesmo assim, esquematicamente pode-se dizer que, na semifinal da Taça Libertadores de 2012, o trabalho de equipe venceu a ênfase no talento. Será verdade sempre?
O debate é infindável, e se parece muito com a história do ovo e da galinha. São as estrelas que definem a estratégia, ou é a estratégia que produz os talentos necessários para cumpri-la? Só que, no caso do ovo e da galinha, não há a menor diferença para a nossa vida prática. No caso das empresas, o modo como elas escolhem encarar a realidade – e torcer por resultados – muda muito a nossa vida.
Fonte: Época Negócios